sexta-feira, 28 de agosto de 2015

A Predadora



Meio à vegetação rasteira a cobra espreita,
Imóvel como rocha, nada a denuncia.
Seu corpo enovelado, na relva se deleita,
Enquanto o frio olhar passeia e vigia.






Camuflam-se nas sombras as escamas douradas,
Que se misturam ao silêncio num levíssimo tremor.
Tomadas pelo espasmo se movem onduladas,
Escorregando lentamente por sobre o verdor.




Sua língua bifurcada inquieta e ardilosa,
Puxa o cortejo ameaçador, que avança.
Capta sinais, sinistra e buliçosa,
Nos recantos onde nem a vista alcança.










Rasgando o véu das folhas, pequena claridade,
Faz cintilar o olhar tão traiçoeiro.
Assusta-se, fugindo da luminosidade
Na defensiva contrai o corpo inteiro.







Na boca aberta as pontudas agulhas,
Guardam a morte como um segredo,
E na penumbra lhe faíscam mil fagulhas,
Provocando esta visão, insegurança e medo.









Envolta pela relva a invisível fera,
Audaciosa e exímia caçadora,
Enrosca-se em anéis e fica à espera,
Porque nesse momento, é ela a predadora !!!





                                                                    27/08/2015



terça-feira, 25 de agosto de 2015

Ser Pensante


Hoje eu estava pensando: acho que vou numa loja de fantasias comprar um par de asinhas, colocar nas minhas costas e me sentir borboleta. Tô com vontade de ser borboleta !
 





Borboletas são tão lindas... Tão suaves... Levam uma vida maravilhosa voando de um lado para o outro, pousando em flores, sugando néctar. São admiradas...

                                                Isso ! Tá decidido ! Vou ser borboleta ! 
Ah, se as pessoas não aceitarem minha nova condição vou partir pra luta. Fazer passeata, criar grupos... Vou virar minoria. Afinal discriminação é crime. E não é todo mundo que é borboleta !

 Vou criar uma bandeira grandona, fininha e esvoaçante, inventar slogans inteligentes, gastar meu tempo convencendo as pessoas de que sou borboleta. 

Ah, ninguém me ouve ? Então tá. Vou me movimentar para que minha borboletice vire lei. Minha borboletice não, nossa borboletice, porque tenho certeza que outros pensam como eu e querem ser borboletas também. Vou lutar tanto que vou convencer até os mais teimosos, e se ainda assim restar quem não concorde comigo, depois de tanta movimentação vai ser crime não pensar como eu e não concordar quando eu abrir minhas asinhas plásticas, e pular da janela. Vai dar cadeia !!!
Todos terão que se calar e me aceitar. E eu vou me sentir nas nuvens !!!

Eu quero uma lei que torne totalmente legal minha "virice" em borboleta. Quero mil papéis que comprovem que eu sou borboleta ! Quero assinatura do senador fulano, do deputado beltrano, da presidenta não sei das quantas... Eu quero !!! Nada de vetar meu desejo hem, dona.! Vou virar esse planeta de pernas pro ar, mas vou ser borboleta.
..
Queria acima de tudo convencer a Alguém Muito Especial de que minhas asinhas poderiam aderir ao meu corpo e como na história do Pinóquio me transformar, mas não tem jeito... Tem coisas que estão acima do nosso querer e são imutáveis. 

Talvez um bom cirurgião conseguisse implantar em mim asinhas de pombo, quem sabe, de urubu... Mas eu não seria borboleta...Jamais serei borboleta !!! Nada vai mudar essa realidade.
Posso me sentir borboleta, agir como borboleta, obrigar as pessoas a fingir que acreditam que sou borboleta, mas jamais. JAMAIS serei borboleta !

Melhor começar a me preocupar com coisas mais importantes como a pobreza do Nordeste, a violência que assola nosso estado, a situação das nossas crianças, já que com a fome na África já tem muita gente se preocupando. Se eu não pensar em coisas sérias, corro o risco de que as pessoas me apontem o dedo e digam que eu vivo olhando o arco íris e pensando só em mim.

Preciso encarar a verdade. Posso ser o que eu quiser. Isso só a mim interessa. Neste mundo, se cada um cuidar de si e respeitar o outro sem escândalos, agressões e ofensas já está de bom tamanho.
Ninguém tem o poder de mudar aquilo que a natureza lhe deu por mais que não lhe agrade.


... é, mas acho que vou comprar uma roupa de japonesa... fazer uma cirurgia pra puxar os olhos...


27/06/2015

sábado, 22 de agosto de 2015

E o vento lavou







Vento que venta forte
A fome também entra    
sem pedir licença                                               
Pelas frestas entras refrescando,
Pelos bolsos ela entra matando,
À mando dos baixos salários,
Da inflação,
Da suprema ignorância
Do operário padrão
Que agrada ao patrão.
Com fome.
Vento, com sua cantiga
Embalando o estômago
Nas teclas das “costelas de fora”
Do poltrão operário
Que engana o padrão
Sobrevivendo.
Sobrevive teimoso que é.
Sem ele o mundo é nada.
Ignora o próprio valor
reprimido entre os doutores,
Oprimido entre senhores.
Para !  Cala ! Escuta !
Alegria, chegou o Carnaval.
Chora ! Rebola !
O pobre operário escola
Escora a nação
Com um grito vencido
De vitória.......







03/02/1981

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Caça





Está me invadindo uma tristeza enorme,
feita de vazio. Feita de vontade.
Saudade. Morro de saudade           
e o mal baila à minha frente.
assume formas. Ri do meu delírio
e não me satisfaz.
Ando feito louca. Nada faço,
a não ser pensar...pensar
sem ter conclusão
indo e voltando sempre.       

Sou infeliz. 
Sim, sou infeliz
tremendamente só. Incrivelmente só.
Dói-me o corpo, a alma, os sentidos
adormecidos.             
Não consigo ver.
não consigo viver.
não consigo ser.
Quero, necessito ser gente, 
palpável, desejável, estimável...
Tenho vontade e rasgar o mundo, 
romper a terra... furar o céu.
Sinto desejo de descansar na sombra amiga
onde não haja egoísmo, fixação.
onde não haja maldade, comodidade, insensibilidade.
Quero encontrar a mão que sustenta
a voz que orienta, a alma que ama.
Não este amor que existe por aí,
mas aquele que eu sinto cá no peito   
doendo sem jeito
de tanto andar preso.
Será ?
               



                     Fevereiro de 81

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Artista

No palco da vida abrem-se as funções,
com todos desfilando no centro da arena;
e neste colorido chão é que se passa a cena  
do cotidiano, com suas atrações.
Me visto de brilho pra enfeitar o espaço,
busco na memória recordar o enredo,
capricho a maquiagem e escondo o medo,
porque todo dia, é assim que me disfarço.



No circo da vida eu sou trapezista,
voando sem asas, contando com a sorte.
Nas mil piruetas, sempre olho pra morte,
que espreita ansiosa, do meio da pista.
Agarro-me com força na esperança,
mas minha lágrima atira-se no ar,
brilha com as luzes e vai se derramar,
na areia fofa, onde a turba dança.
                           



Do trapézio da decepção, 
vou balançando e salto na tristeza,
me atiro receosa na incerteza,
pra mergulhar na incompreensão.
No intenso silêncio eu fico suspensa,
vendo a ilusão embaixo balançando,
sobre a mentira então vou pendulando,
e a sensação de terror é ainda mais intensa.



            
              

    Cega pelo pranto, no ar da falsidade,
    como o tempo no relógio: ritmado,
    me sinto frágil com o corpo tão cansado,
    sem ver a rede que se chama liberdade.
    Atiro-me enfim. Meu nome é garra e fé,
    travo meus dedos e eles escorregam,
    mas eu não sou daqueles que se entregam,
    forço meu corpo e na barra fico em pé !

          

                      

No circo da vida trapezista sou.
Hoje teve espetáculo ? Teve, sim senhor !!!
É assim que brinco com o desamor.
De pé plateia !!!  Aplaudam o meu show !

                                                       18/08/2015


segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Pânico.








Transe... Confusão mental.
Tremores constantes...Lábios ressecados.
Empazinação... Delírio total.
Vômito...Dores... Olhos pesados.
Estado febril... Respiração descontrolado.
Descontrole motor... Desconcentração.
Espasmos nervosos... Fala arrastada.
Sede incontrolável... Palpitação.





Impaciência...Indolência.
Ações desordenadas... Palavras sufocadas.









Delíros convulsivos.             
Impactantes sobressaltos.
Pesadelos agressivos.
Visões que tomam de assalto.







Transpiração... Emoção...
Incerteza... Fraqueza.












Cáos orgânico .      
Pânico !!!











                                                             17/08/2015










sábado, 15 de agosto de 2015

Fim.




Cai a noite entre as paredes de vidro
das residências senhoriais.
Um grito agudo rompe o inverno
magoa os tímpanos
e se atira no mar.
Chove serpentinas no cadáver do amor
e os confetes deliram
sambando no ar,
nadando a bailar.
Tudo é diferente.
Cheira a nada,
tem sabor de nada.
É o fim !!!









                                            



                    12/07/71


É incrível descobrir agora, a capacidade de recuperação do jovem. Pula da tristeza para a indiferença com a rapidez dos raios.
Que bom que foi assim. Hoje não é tão fácil...


Pela manhã




        
Na chuva fina da manhã um rosto amigo.
Um sorriso divino, um raio de sol,         
cai manso e moroso na tempestade diária.
Na lama fofa da íngreme descida,
a sinceridade sufocando a falsidade,
desliza como trenó na neve da loucura.
Isto pela manhã: um rosto amigo.
desce sorrindo um pranto de saudade
após a longa e triste caminhada só.
Sobre uma folha alvacenta, tinta de amizade.
só a saudade e o desejo de ouvir
invade o aposento nulo e pardacento
onde a tormenta penetra num mudo vendaval.   
Isso pela manhã, um sorriso.
Um rosto amigo: o sol numa manhã
banhada de solidão;
um sorriso: bálsamo divino à dor
da saudade.
Tudo nos transmite um rosto amigo.
Os dentes dançam num sorriso amigo, e o sol nasce
num dia molhado.
Tudo pela manhã.
Um rosto amigo no cimo do Corcovado
clareia a noite, cessa o vento. Alivia a tensão.
Se pela manhã um rosto belo e sereno
chama-se amigo,
adeus solidão.
A noite o frio queima e tosta,
no corpo amigo muda declaração
de eterno abrigo contra as intempéries.
Faz-se nós no corpo e o corpo amigo,
mais que amigo é abrigo
na inútil vontade de ser querido.
Amor amigo, adeus
pois o frio passa quando a noite cai
ou quando um corpo se oferece e dá.
Adeus ! Tão triste não se vive de ilusões
e um rosto amigo é sempre proteção,
só que o amor nem sempre traz um rosto amigo.
De loucuras ainda não se vive,
e de utopias não se pode viver.
    Pela manhã um rosto amigo que sorri,
                     me lembra que é hora de esquecer.




                               17/06/1971
















Favela, juventude, amizade, confusão de sentimentos, é o cenário deste texto.


Ideal











Quem és velho que passa
com o terror nas órbitas e ereto ?
Mira com calma e com a alma
o resultado do “após tua guerra”
que trouxe à luz, nós monstros abissais,
ó pavoroso museu de “altas erradas”.
Temes ???
Não te agarraremos como pensas
porque se nossas mentes estão cheias de ópio

 as mãos permanecem alvas e puras.
Vês ? Nossos lábios sabem sorrir; os teus esqueceram,
e cada sorriso nosso é suave e real.
Se tentas sorrir tua boca abre-se em cratera
como aquelas abertas na “tua guerra”.
Temes ???
Não temas.
Nós ainda amamos e um cifrão não nos cega,
já que nossa retina é forte
enquanto os tímpanos são frágeis.
É melhor ouvir os sussurros da paz
que o ribombar das bombas que “tua guerra” traz.

 Temes ???
Respeitamos sua corcunda e velhice   
e ainda mais sua careca brilhante.
Se te olhamos quando passas
é por vergonha de descender de ti.
Olha, sente o que fizeste ao nosso ar,
e sem motivos nos temes.
Bem sabes que nos condenaste a batalhas inglórias

 e a um sofrer constante.
Estufas o peito pesado de imaginárias medalhas
salpicadas do sangue de seus semelhantes.
Olha !!!  Olha os frutos do teu passado.
Temes ???
Não tema, já que não temeste a guerra
e a julgaste realmente importante.
Ainda somos sufocados pela onda de terror
que invade o outro lado do oceano.
Ficamos aqui, expostos à sua crítica
e nada te faremos.
Temes ???
Nos campos de guerra ficamos à tua frente,

 peito aberto,
oferecendo nossa juventude pela sua velhice,
querendo atirar flores e amor
para matar sim, mas de felicidade,
os que do lado de lá, choram como nós
por cada corpo que tomba na poeira.
Olha! Que fizeste com o mundo ???
Temes ???
Não temeste fazer a guerra.
Pobre de ti, velho guerreiro
que optou pela morte e destruição.          

 “Tua guerra” no campo terminou,
agora batalhas contra o medo,
pois vives pisando os corpos dos teus irmãos
assassinados por ti.
Não temas !!!
Nossa paz interior será flâmula no Universo,
o mundo será libertado
e choverá flores !
Neste dia então verás
como é bom viver em paz !!!   







                                                    31/05/1971

Interessante ao ler esse texto é que naquela época eu não imaginava que um dia teria 62 anos, seria careta e ultrapassada além de culpada também por inúmeros transtornos na vida dos jovens. Naquela época os danos na natureza não eram tão intensos e se eu falava da violência social, e participava dos ideais, não assumi compromisso algum para minimizar o impacto que nossa geração provocaria na terra.
Hoje eu sou a velha que passa...

O trem da volta.