sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Pássaro do deserto


                                          



       Esta noite sonhei com minha mãe. No sonho ela estava doente (como na época em que voltou para o céu) e seu semblante era o mesmo: sereno, amoroso, conformado.
       Hoje despertei saudosa, não exatamente da figura amada, mas do conjunto  das sensações que a rodeava. Veio-me à memória uma multidão de cheiros, sabores, cores, ruídos, coisas e emoções.
       Ainda tenho viva no meu íntimo a recordação de tudo, e quanto mais o tempo passa e incute no meu corpo físico as marcas da idade,, mais me lembro desta pessoa maravilhosa que para mim se assemelha a um PÁSSARO DO DESERTO.

       Ela soube esconder de nós a nossa triste situação de migrantes pobres e discriminados.  Tornou a vida na favela motivo de orgulho, e soube tirar de todos nós o máximo, para que nos tornássemos adultos pacíficos e limpos.
       Não. Não há, houve ou haverá mãe como ela. Houve uma, eu creio, em quem ela se espelhava e que para mim é a imagem que melhor a define: Maria, mãe de Jesus.
       Talvez ela visse em cada um dos filhos, o próprio Cristo, e acreditasse na grande verdade, (oculta para muitos) de que nós tínhamos uma missão especial neste planeta.
       ___ “Prefiro ver um filho morto, do que saber que ele matou alguém.” – palavras que demonstram  bem sua enorme responsabilidade diante de Deus, e o receio de comprometer a alma de seus amados para a eternidade.
   Mas, PÁSSARO DO DESERTO, capaz de grandes, se não, qualquer sacrifício para garantir a sobrevivência dos seus.



       Pegava um ovo. Um somente, e batia no prato com o garfo até formar um morro daquela espuma branca  e encorpada. Chamava-nos a todos para  ver, e era com entusiasmo infantil que assistíamos ao  espetáculo deslumbrante de imaginar a lua cheia, num céu cheio de nuvens, quando ela jogava a gema inteirinha e perfeita naquela montanha parecida com um enorme suspiro doce.  Ah!!!  Ou com os Alpes Suíços cobertos de neve. Ohhh!!!  E batia com o garfo, colorindo a alvura de amarelo, o que ficava então parecendo um céu de entardecer, quando as nuvens tentam encobrir o sol.

       Um pouquinho de sal, uma colherzinha de fubá e bate !... bate !... Um creme então, tentava saltar do prato enquanto a gente aplaudia com sorrisos a obra de arte. Aí, FUUUUUUNCH !!! na frigideira só sujinha de gordura, e rebola frigideira! Balança frigideira! Vira !!!
       A omelete ia alimentar seis estomagozinhos famintos. E ela ??? Não me lembro jamais de ter visto minha mãe comer nesta época. Vejo ainda seu olhar amoroso e triste, fitando-nos com silencioso prazer.
       Outra coisa bonita era o arroz de festa. De festa !!! Era um pouquinho de arroz na panela, (hoje sei que não era suficiente), cozinhando  (no fogão Jacaré) onde ela colocava cenoura, batata, quiabo, abóbora, beterraba    (ou o que tivesse no barraco que pudesse aumentar o volume da comida), em pedaços, e sempre nos chamava para  ver. Quando cozido e sequinho, ela ia arrumando nos pratinhos (que eram na maioria das vezes, latas de goiabada vazias ) e nós então fazíamos a maior festa ao descobrir o que tinha caído para cada um.
       ____ “Ganhei cenoura !”
       ____ “ Ganhei batata !”
       ____ “ Ih ! No meu veio abobrinha.  Não gosto.
       ____ “ Então, troca comigo. “                                        
       Bonito era a beterraba espaçosa e abusada, que coloria todo o arroz ao seu redor, tornando-o rubro e saboroso. Até hoje sinto na beterraba aquele gostinho bom de açúcar misturado com terra.
       Nunca passamos fome de ficar com o estômago totalmente vazio. Nunca fui dormir sem ter me alimentado. Talvez eu não comesse tanto quanto  desejava, mas o PÁSSARO sempre trazia algum alimento para me acalentar.
       Ouço hoje, pessoas revoltadas com a infância pobre, mulheres que reclamam o tempo todo da própria situação, culpando a outros pela sua infelicidade passada e presente. 
Quando converso com estas pessoas, sinto cheiro de angu.
 Angu mexido com cuidado: fubá  na água fervendo,  mas misturado com tanto amor que não permitia a formação de nenhuma pelota. Nenhum sal. Nenhuma gordura. Angu mineiro,cozidinho. Misturado com um tomate, um pouquinho de mangalô, às vezes com os ossinhos das carcaças de frango que o Zé da Luz trazia e dava para nós, e não sinto pena.
       Olho meus irmão que ainda vivem e lembro dos que já  partiram  para o “lado de lá”, todos honestos, todos úteis. Gente que lutou e buscou sua tranqüilidade, sem vícios, sem passar ninguém para trás, sem ser parasitas de ninguém. Cada um levando sua cruz sem revoltas, sem culpar a Deus ou aos outros por seus infortúnios.
       Não tem como não lembrar de minha mãe, todos os dias.
       Ela, que tinha em si todas as qualidades que um ser humano pode ter, mas que soube viver na luta e no sacrifício. Para si nada. Para nós tudo.
       Preciso e devo enaltecer aqui a pessoa de meu pai. Posso justificar seus maus atos provocados pela ignorância, mas reconhecer seu espirito de luta e sua coragem de trabalhador incansável (nunca o vi parado). Deu-nos o que lhe era possível dar e tudo que ele julgava necessário. Se tem alguma culpa , é só a de não ter ambições nem com relação ao nosso futuro. Foi um homem honesto e trabalhador.
       Hoje que minha saudade fala, que meu coração pranteia, sinto falta do meu ninho. Sinto frio sem o aconchego cálido das asas protetoras. Aperta-me o peito a fome de carinho. Olho o deserto a minha volta. Minha alma pia em desassossego.

       Já se foi para sempre meu PÁSSARO DO DESERTO.
       Quem poderá então vir alegrar meus dias como quando eu era um frágil filhotinho ?
       Eu ainda sou um frágil filhotinho.




                                                                     28/02/2014
    


                                                                   

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Depoimento







Nasci, cresci, sofri
Não sei se vou vencer.

Não importa meu nome ou idade,
Importa o que sou.
Que se dane, se alguém vai comigo,
Assim mesmo eu vou.
               
                                  Se eu chego lá e alcanço a nobreza,
                                  Não importa a origem, importa a riqueza.          
                                                                                                                       

Mudei, falei e cansei,
Não sei se vou voltar.

Olho pra trás e vejo um monte de  cal
Pintando o meu passado.
Branco... Branco...


Hoje é o dia de recomeçar                       
no meio da vida
importante futuro incerto
no presente.
Nada importa !







Eu e meus passos iremos,
Eu e meus passos
No remanso das passadas
Que o fim vai chegar.


                                                



                                                                                            17/08/1971

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Hospital




Sempre que passo perto de hospitais,
a nostalgia invade o meu ser,
lembro-me de um tempo que ficou pra trás,
quando eu lutava para reviver.


Quando anoitece, cada um é o amigo,
que ouve as mágoas, anseios e saudades,
e é sob este teto que ajuda e dá abrigo,
que crescem mais e mais as amizades.


O clima é de pureza e união,
e de espera da cura com esperança.
No hospital cada colega é um irmão
e em cada um há um adulto e uma criança.


Lembro-me sempre de uma casa antiga,
que recebeu-me doente e alquebrada.
Devolveu-me a alegria, a casa amiga.
Devolveu-me à vida. Estou curada !!!



                                                                10/08/1981

Desencanto




Foi como a brisa fresca que levanta pó
sua amizade.
Depois que passa, a gente fica só,
com a saudade.

Ingenuamente perdi-me nas delícias,
que a tua boca me fazia almejar,
e até hoje perdura meu desejo
pois eu senti de ti, tantas carícias,
que a todo instante esta saudade beijo,
na vontade de te ver e te beijar.



Felicidade senti, por poucos dias,
e eu bem sei que morri na tua lembrança
como morreram meus olhos e carinho.
Mas te agradeço, amor, as alegrias,
e a doce, mansa,  maldita esperança,
que há de trilhar comigo, meu caminho.




Guarde a alegria que de mim roubaste,
guarde as mentiras e não finja jamais.
A alegria te dou, já que a tiraste,
e as mentiras te deixo. Vou dormir em paz.





                                                                     03/05/1974

Um outro adeus

                                                         
                                                                                                                                     Mais um se vai...mais um fica,
meio destroçado pelo som.
Mais um Cristo crucificado no apogeu da consciência         
Mais uma ovelha optou pela verdade
e sem uma omissão partiu para a planície.
Na planície, a relva úmida e verde isola o companheiro
num mundo manchado de marrom e azul.
Grossas lágrimas rolam do cadáver
e pingos de sangue da cratera.
Ó cruz inútil e desastrosa, quebraram-te enfim.
Houve um curto circuito na memória,
Vagabundo vai ! Good bye !
Na planície escura há paz.
Cruzes sobre cruzes num mundo de braços abertos.
                                                         A ovelha deu à luz.. De novo !
Tudo recomeçou !
Não chorem mais ventos uivantes,
vozes desafiantes:
a terra abriu o seio e vomitou.
Não solucem mais passarinhos
o sol venceu a chuva,
não tarda a clarear.
A Terra desnuda e gargalha,
o eco da planície invade o ar.
Tudo recomeçou...
Adeus, amigo,
Teu sonho ficou !

                                         


                                                      18/06/1971





                                        



O poeta quer morrer













Esta poesia/texto ? foi escrita mais como uma brincadeira para usar palavras difíceis num trabalho. Achei que ficou legal e resolvi editar bonitinho.

O trem da volta.