Esta noite sonhei com minha mãe. No sonho
ela estava doente (como na época em que voltou para o céu) e seu semblante era
o mesmo: sereno, amoroso, conformado.
Hoje despertei saudosa, não exatamente
da figura amada, mas do conjunto das
sensações que a rodeava. Veio-me à memória uma multidão de cheiros, sabores,
cores, ruídos, coisas e emoções.
Não. Não há, houve ou haverá mãe como
ela. Houve uma, eu creio, em quem ela se espelhava e que para mim é a imagem
que melhor a define: Maria, mãe de Jesus.
Talvez ela visse em cada um dos filhos,
o próprio Cristo, e acreditasse na grande verdade, (oculta para muitos) de que
nós tínhamos uma missão especial neste planeta.
___ “Prefiro ver um filho morto, do que
saber que ele matou alguém.” – palavras que demonstram bem sua enorme responsabilidade diante de
Deus, e o receio de comprometer a alma de seus amados para a eternidade.
Mas, PÁSSARO DO DESERTO, capaz de
grandes, se não, qualquer sacrifício para garantir a sobrevivência dos seus.
Pegava um ovo. Um somente, e batia no prato
com o garfo até formar um morro daquela espuma branca e encorpada. Chamava-nos a todos para ver, e era com entusiasmo infantil que
assistíamos ao espetáculo deslumbrante
de imaginar a lua cheia, num céu cheio de nuvens, quando ela jogava a gema inteirinha
e perfeita naquela montanha parecida com um enorme suspiro doce. Ah!!!
Ou com os Alpes Suíços cobertos de neve. Ohhh!!! E batia com o garfo, colorindo a alvura de
amarelo, o que ficava então parecendo um céu de entardecer, quando as nuvens
tentam encobrir o sol.
Um pouquinho de sal, uma colherzinha de
fubá e bate !... bate !... Um creme então, tentava saltar do prato enquanto a
gente aplaudia com sorrisos a obra de arte. Aí, FUUUUUUNCH !!! na frigideira só
sujinha de gordura, e rebola frigideira! Balança frigideira! Vira !!!
A omelete ia alimentar seis
estomagozinhos famintos. E ela ??? Não me lembro jamais de ter visto minha mãe
comer nesta época. Vejo ainda seu olhar amoroso e triste, fitando-nos com
silencioso prazer.
Outra coisa bonita era o arroz de festa.
De festa !!! Era um pouquinho de arroz na panela, (hoje sei que não era
suficiente), cozinhando (no fogão
Jacaré) onde ela colocava cenoura, batata, quiabo, abóbora, beterraba (ou o que tivesse no barraco que pudesse
aumentar o volume da comida), em pedaços, e sempre nos chamava para ver. Quando
cozido e sequinho, ela ia arrumando nos pratinhos (que eram na maioria das
vezes, latas de goiabada vazias ) e nós então fazíamos a maior festa ao
descobrir o que tinha caído para cada um.
____ “Ganhei cenoura !”
____ “ Ganhei batata !”
____ “ Ih ! No meu veio abobrinha. Não gosto.
____ “ Então, troca comigo. “
Bonito era a beterraba espaçosa e
abusada, que coloria todo o arroz ao seu redor, tornando-o rubro e saboroso.
Até hoje sinto na beterraba aquele gostinho bom de açúcar misturado com terra.
Nunca passamos fome de ficar com o
estômago totalmente vazio. Nunca fui dormir sem ter me alimentado. Talvez eu
não comesse tanto quanto desejava, mas o
PÁSSARO sempre trazia algum alimento para me acalentar.
Ouço hoje, pessoas revoltadas com a infância
pobre, mulheres que reclamam o tempo todo da própria situação, culpando a
outros pela sua infelicidade passada e presente.
Quando converso com estas pessoas, sinto cheiro de angu.
Angu mexido com cuidado: fubá na água fervendo, mas misturado com tanto amor que não permitia a formação de nenhuma pelota. Nenhum sal. Nenhuma gordura. Angu mineiro,cozidinho. Misturado com um tomate, um pouquinho de mangalô, às vezes com os ossinhos das carcaças de frango que o Zé da Luz trazia e dava para nós, e não sinto pena.
Quando converso com estas pessoas, sinto cheiro de angu.
Angu mexido com cuidado: fubá na água fervendo, mas misturado com tanto amor que não permitia a formação de nenhuma pelota. Nenhum sal. Nenhuma gordura. Angu mineiro,cozidinho. Misturado com um tomate, um pouquinho de mangalô, às vezes com os ossinhos das carcaças de frango que o Zé da Luz trazia e dava para nós, e não sinto pena.
Olho meus irmão que ainda vivem e lembro
dos que já partiram para o “lado de lá”, todos honestos, todos
úteis. Gente que lutou e buscou sua tranqüilidade, sem vícios, sem passar
ninguém para trás, sem ser parasitas de ninguém. Cada um levando sua cruz sem
revoltas, sem culpar a Deus ou aos outros por seus infortúnios.
Não tem como não lembrar de minha mãe,
todos os dias.
Ela, que tinha em si todas as qualidades
que um ser humano pode ter, mas que soube viver na luta e no sacrifício. Para
si nada. Para nós tudo.
Preciso e devo enaltecer aqui a pessoa de meu pai. Posso justificar seus maus atos provocados pela ignorância, mas reconhecer seu espirito de luta e sua coragem de trabalhador incansável (nunca o vi parado). Deu-nos o que lhe era possível dar e tudo que ele julgava necessário. Se tem alguma culpa , é só a de não ter ambições nem com relação ao nosso futuro. Foi um homem honesto e trabalhador.
Preciso e devo enaltecer aqui a pessoa de meu pai. Posso justificar seus maus atos provocados pela ignorância, mas reconhecer seu espirito de luta e sua coragem de trabalhador incansável (nunca o vi parado). Deu-nos o que lhe era possível dar e tudo que ele julgava necessário. Se tem alguma culpa , é só a de não ter ambições nem com relação ao nosso futuro. Foi um homem honesto e trabalhador.
Hoje que minha saudade fala, que meu
coração pranteia, sinto falta do meu ninho. Sinto frio sem o aconchego cálido
das asas protetoras. Aperta-me o peito a fome de carinho. Olho o deserto a
minha volta. Minha
alma pia em desassossego.
Já se foi para sempre meu PÁSSARO DO
DESERTO.
Quem poderá então vir alegrar meus dias
como quando eu era um frágil filhotinho ?
Eu ainda sou um frágil filhotinho.
28/02/2014