segunda-feira, 10 de março de 2014

Meu canto

Meu canto voou muito cedo,
Deixando verso e saudade,                                              
Numa poesia sem rima.
Não sei se vem dela meu medo,
Ou se vem desta cidade,
Que já me viu bem menina.

Na loucura deste mundo,
A gente se cruza na rua,
Sem poesia e sem amor.
Eu sempre achei muito pouco,
Ante o morno da lua,
O que existe de calor.

Quando meu canto cantava,
Minha voz se elevou,
E pregou nesta andança,
Mas já que ninguém escutava,
Minha voz se apagou
E só resta na lembrança.

Hoje não voam as aves,
Padece o mundo de frio,
E por falta de comida.
Gasta-se tanto com naves
E com armas infernais,
Sem se dar valor a vida.

Quando meu canto se ouvia,
Havia beleza em tudo,
Amor flutuando no ar.
Mas como o povo insistia,
Meu canto enfim ficou mudo,
No medo de se exaltar.

Menores aprendem a roubar
E os velhinhos já não passam,                    
Pro passeio matinal,
Afinal o que se dá,
É uma grande desgraça
Pra enfeite de jornal.
                                                                                              

Quando meu canto era meu,
O mundo era bem melhor,
Do que está sendo agora.
Mas o povo, se entendeu,
Preferiu coisa pior
E meu canto foi embora.

Hoje não canto saudade,
Verdade, guerra ou paz,
Presente, futuro ou passado.
Faço versos  sem receio,
Pois enfim, quando os leio
Bem sei: são meu canto calado.
                                                          


                                                                            03/08/1971


  



Retornando...





Se eu pudesse pediria que voltasses
Porque esse tempo distante vem me magoando.
Não fosse esse arranjo de flores e luzes da natureza,
O mundo pra mim, já teria terminado.

                                                             
Na parte do  mundo em que te conheci,
Florescem novidades e santidades:
O que eu não tenho pra te dar ?
Com que lealdade atravessei teu universo
E sondei teu oceano,
E nestas linhas tão jovens, tão densas me perdi
Essvoaçante num  mundo de cores e ilusões incontidas,
Entre o dever e o amor,                                          
Entre o santuário e o bordéu.


Que me perguntem o que sinto agora. Não poderei responder
Porque a força do mar e a tensão do Universo
Ainda estão claras na minha mente.
Tão claras, que morro e vivo de segundo a segundo
Sem ver o mundo.


Que me alcancem os dilúvios e as penas,
Porque eu nasci num mundo de ódio.
Eu cerrei os dentes e mordi a língua
E a vontade de gritar foi grande.
Não sei onde estás: em que universo, em que satélite
Em que campo.


Vi que lábios sorriram ao saber da distância
     E verti lágrimas de egoísmo
        porque tiraram  o meu coração.
Vi que abriram meu peito, penetraram meu cérebro
E te arrancaram de lá, manchado de sangue
Destilando vergonha pelas mãos e boca.



Ainda não atinei com o porque, só fico pensando
Analisando a soma algébrica que nós fomos.
Errei, mas por mais que eu verifique,
O erro se me esconde.




Tinha que dar certo. Foi tudo caprichado demais.
Acho que estás neste meteoro que me destrói o tórax
Ou na luz que me penetra e cega o olhar.
Penso que estás nos meus sonhos ,na minha loucura,
Ou no meu sorriso que sumiu.
                                           Acho que não volta mais.
                                                                 

                                       23/04/1971




Meu depoimento





Tenho que ser forte,
Para suportar a sorte
Que Deus me der.
Eu sou tronco, sou madeira,
Sou arbusto, sou videira,
Mas me chamam de MULHER.





Preciso olhar cada dia,
Cheia de nova energia.
Não. Eu não posso cair.
Olho o céu com confiança,
Me armo de nova esperança.
Meu mundo não vai ruir.






Minha força vem de cima,
Do Deus que tudo me ensina,
Em quem confio e proclamo.
Vem dos filhos que criei,
Das noras que conquistei,
Dos netos que tanto amo















Medo não tenho da vida,          
Não me importa ser querida,
Não quero é deixar de amar.
Eu sou voz que não se cala ;
Se furacão não me abala,
Brisa  não vai me abalar.







Reclamações eu não faço,
Meu coração é de aço,
É o que todo mundo diz.
Esqueço tudo que é mal,
e no balanço final,
Eu até que sou  feliz.






Quero deixar uma lição
Que penetre o coração,
Mas não como coisa qualquer.
Eu sou tronco, sou madeira,
Sou arbusto, sou videira,
Mas me chamam de mulher.





                                              09/05/2003

quinta-feira, 6 de março de 2014

Favela







Era tão linda minha favela
quando os primeiros raios de sol  
a envolviam num caloroso abraço;
quando a brisa da manhã
a beijava com volúpia
e os rumores se iniciavam
num crescente burburinho.

                                                                      
Era tão viva a minha favela                
quando se abria em becos e vielas
para o festival de operários
que desciam apressados, tagarelas
para a batalha diária
em busca do ganha pão.


Era tão cheirosa a minha favela        
porque pela manhã à luz da aurora
cheirava a sabonete e creme dental,
café, cigarro e desodorante
Cheirava a amor bandido... inacabado,
a neném dormindo,
jovem apaixonada.

Era tão risonha a minha favela                
quando vestia uniforme
e recebia a revoada de estudantes
com sua alegria infantil.
Tinha então como um olhar de esperança,
o orgulho da conquista,
o prazer de esperar o futuro.


Era tão serena a minha favela                      
quando o sol a cercava pelo dia
num amoroso enlevo de amante.
Deixava escapar suspiros e segredos,
movimentava-se preguiçosa, indolente,
se embolava com o dia escandalosamente,
e permitia cochichos, caricias e desejos.
                                                                                                                                                                Era tão exuberante minha favela                         
quando a noite lhe trazia o solidéu da lua,
lhe adornava o pescoço com colar de estrelas.
Então minha favela vestia-se de negro,
exibindo seus bares, botecos e tendinhas
para receber seu povo em farra e algazarra.
Se enroscava em malícias com a noite
até desmaiar de sono e de cansaço.


Era tão vibrante a minha favela                        
quando o Maracanã lotado
libertava o grito louco das torcidas.
E este grito galgando as escadas
vencendo ladeiras
se entranhava em barracões humildes
com a intimidade de alguém muito chegado.

 Hoje a alegria se esconde,
a vida não vale nada.
Não há cheiros no seu corpo
não há sorrisos ou gargalhadas.
Triste favela...
Perdida em seus medos e angústias
totalmente prisioneira da realidade.


02/01/2014

O silencio




Vejo o silêncio deslizar nas sombras
E astutamente entrar sem ser contido,
Feito serpente sinuosa, traiçoeiro,
Sufoca em seus anéis um grito tão sofrido.

                                                          Engole os segundos com fome incontrolável,
Bebe os minutos como náufrago sedento,
Respira as horas em transe de desejo,
Escravizando o tempo sob o seu tormento.


 Vai inundando o espaço absorvendo tudo,
 Lembra uma enchente que destrói sem piedade.
 Assume formas difusas e enganosas
 Pra disfarçar com elas a verdade.                                                                             
 É uma doença tão grave e destrutiva
 Que aniquila sem dó a força e a razão
 E num delírio febril confunde a alma
 E a atira em violenta convulsão.

Salta a janela, chega a rua e a domina,
Roubando para si a vida, a alegria.
Não permite que voem os sentimentos
Transforma em brumas o alvor do dia.                                                                  
Pesa em respostas que não foram ditas,
Pesa em perguntas ainda por fazer,
Mas ele enfim é a melhor palavra
Se não existe mais nada pra dizer.






                                           



                                                  04.03.2014 

O trem da volta.