sábado, 20 de julho de 2013

CARTA A UM MOTORISTA INCONSEQUENTE




                                                 
          Era um dia de festa. Vinte de janeiro.Dia de São Sebastião. Segunda feira.
          Saiu de casa feliz da vida porque a vida era sua felicidade. Beijou a mulher amada, (a mais amada das mulheres), Sorriu para a filha, ( a mais bela das mocinhas) , acariciou netos... Pisou na rua sorrindo. Alguém brincou com seu jeito relaxado de andar com a camisa aberta: “___ Muito sexy seu Waldê !” Quase 22 horas.
Os olhos miravam tudo, numa curiosidade de menino. Curiosidade de menino levado, nunca satisfeita. Seus passos rápidos sempre levavam ao “daqui a pouco” que era sempre um momento especial.
          No peito, canções inacabadas e uma saudade imediata do violão, amigo, companheiro inseparável de todas as horas. Mais presente que tudo na sua vida. Mal saía, já sentia saudades do amigão.
          Este era o único momento do dia em que não estava no seio dos que amava.
          Ia a caminho da Aurora que não era o fenômeno da natureza, mas tão somente o seu local de trabalho. Tecnico em refrigeração, aposentado, mas firme na labuta diária.Carregando um pouco mais de sessenta , era bonito.
Muito bonito...O que se pode chamar de “coroaço”. Firme. Inteiro... Cabelos brancos lhe enfeitavam o rosto de feições bondosas. Saltava energia do seu ser.
          No seu interior lembranças: amargas, felizes. Bonitas, feias, lindas. Tudo bem guardadinho... bem arrumadinho.
          Tinha planos. Mudar-se... comprar mil coisas... Assistir o casamento de sua princesa.
          Tinha mil amigos porque sabia fazê-los e conservá-los.
          Bom pai, esposo maravilhoso, avô sensacional, excelente sogro, ótimo irmão,amoroso filho, profissional competente. .. Seresteiro.
          Para ele não havia tristeza. Todos eram bons.
          Aceitou a vida com seus problemas e dificuldades e viveu intensamente com profunda alegria, cada segundo da sua existência. Não pensava na morte.
          Mas você veio. Apareceu não sei de onde, carregando talvez uma revolta, não pensou no ser humano.




          Você tinha que dar fim à alegria que havia nele. Você o matou.
          “A morte trás desculpas”, dirá  você, mas eu lhe digo que a morte poderia trazer mil desculpas que não fosse você.
          Para onde você estava indo àquela velocidade ?  O que você ia buscar ?
          A pista era quase livre ( mais de vinte e duas horas), não havia razão para tanta ignorância.
          E agora amigo, como fica sua consciência ? Como fica sua situação na empresa ? E sua família ? Você deve ter uma... De que adiantou correr tanto ?
          Se você, no seu delírio, tivesse chegado a conclusão de que não é um piloto de corrida, disputando uma prova, mas tão somente um homem atrás de seu sustento, a realidade seria outra.
          A notícia, o velório, os amigos chorosos, as coroas de flores, a tumba fria, a solidão da mulher amada, tudo seria um pesadelo. Um triste pesadelo do qual seria um alívio despertar.



          Mas você existe e a sua existência é a maior prova de que para ele houve o FIM.
          Você jamais poderá nem de longe imaginar a dimensão do seu ato.







  Esta carta é um desabafo. É um texto que escrevi num momento de grande tristeza e revolta. Sua inclusão com meus outros textos e poesias é necessária porque afinal de contas faz parte de meus escritos. Espero que entendam.




                                                                                     Janeiro de 2003. 


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O trem da volta.